O rito processual das execuções, conforme estipulado pelo Código de Processo Civil, prima pelo princípio da celeridade processual, economia e efetividade a fim de se minimizar o prejuízo que o credor sofre ao ter o seu crédito inadimplido. Referido princípio pode ser observado em diversas oportunidades, começando pela intimação para pagamento do devedor em 03 (três) dias (artigo 829) ou então, se o devedor não for localizado, já de pronto é autorizado o arresto de bens (artigo 830) daquele, a fim de garantir a execução e posteriormente se perfectibilizar a citação.
Possibilita-se a penhora de tantos bens bastem para garantir o crédito, primando sempre pelo interesse do credor, sendo tal entendimento sedimentando nos tribunais pátrios e no Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Após a penhora dos bens, a expropriação pode ocorrer por meio da adjudicação (arts. 876 a 878), pela alienação (arts. 880 a 903) ou pela apropriação de frutos e rendimentos (arts. 862 a 869), à critério do credor. Por sua vez, a alienação possui duas modalidades nos termos do artigo 897: (i) por iniciativa particular e (ii) por leilão público.
O usual é que o processo de alienação dos bens do devedor ocorra por meio de leilão público, contudo, a expropriação pode ocorrer de forma menos burocrática e mais célere por meio da alienação por iniciativa particular – sem perder de vista a presença soberana do órgão jurisdicional, que deve estabelecer as condições básicas para que a alienação se realize, tais como a forma de publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento, as garantias, etc.
A alienação por iniciativa particular já estava prevista nos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, sendo continuada a sua normatização no vigente códex pelo artigo 880, sendo esta modalidade neste atual diploma, inclusive, preferível ao leilão judicial, em virtude do princípio da cooperação das partes no processo.
Apesar de ser um procedimento presente em nosso ordenamento jurídico há quase um século, é muito pouco tratado, não sendo localizado muitos artigos jurídicos e/ou decisões judiciais sobre o assunto até hoje.
O Código de Processo Civil não é tão claro quanto a forma que alienação por iniciativa particular deve ser regida, razão pela qual localiza-se seus ditames por meio dos provimentos elaborados pelas corregedorias dos Tribunais Estaduais, os quais podem ser conferidos a seguir:
- Tribunal de Justiça do Ceará nos artigos 377 e seguintes do Código de Normas dos Serviços Judiciais;
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal no Provimento Judicial n. 48, de 27 de março de 2020;
- Tribunal de Justiça do Maranhão no Provimento nº. 05/2009 - CGJ
- Tribunal de Justiça do Mato Grosso nos artigos 6.7.22 e seguintes do Provimento n. 87/2008;
- Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos artigos 344-A e seguintes do provimento nº 161/CGJ/2006
- Tribunal de Justiça do Paraná nos artigos 422 e seguintes do Código de Normas do Foro Judicial – CNFJ;
- Tribunal de Justiça de Piauí Provimento Nº 144, de 07 de julho de 2023;
- Tribunal de Justiça de Roraima nos artigos 219 do Provimento/CGJ n. 2, de 6 de janeiro de 2023;
- Tribunal de Justiça de São Paulo nos artigos 240 e seguintes das NSCGJ;
- Tribunal de Justiça de Tocantins no Provimento n. 11/2008/CGJUS;
- Tribunal de Justiça de Amapá no Provimento n. 0221/2011-CGJ;
Nota-se pelos provimentos dos Tribunais Pátrios que, em geral, a principal diferença entre a alienação particular e a alienação por leilão reside na simplicidade do procedimento da primeira, a qual, embora realizada no curso do processo judicial, existe uma procura simplificada por interessados, não dependendo da prática de excessivos atos solenes.
Ambas são formas de expropriação do patrimônio do executado, pleiteadas perante órgão jurisdicional estatal, mas com distintos graus de burocracia pública. Inclusive, em recente acórdão proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, Recurso Especial nº 2.039.253 - SP (2022/0153557-2), se estabeleceu que, em alienação por iniciativa particular, o órgão judicial atua como fiscal das negociações, conforme trecho abaixo colacionado:
Entende a doutrina que a alienação por iniciativa particular consiste em modalidade de alienação forçada com caráter negocial e público, bem como apresenta vantagens em relação ao leilão judicial, como, por exemplo (I) a busca ativa e a cooptação de interessados em adquirir o bem; (II) a facilidade e simplicidade na divulgação, com dispensa de publicação de editais (art. 886, caput, do CPC/15); e (III) maior flexibilidade nas condições de pagamento, afastando-se da rigidez dos parâmetros estabelecidos pelo art. 895 do CPC/15 para o leilão (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020; GAJARDONI, Fernando da, F. [et al]. Execução e Recursos: Comentários ao CPC de 2015. 2. ed. v. 3. São Paulo: Grupo GEN, 2018).
Em tal hipótese, o órgão judicial atua, sobretudo, como fiscal das negociações, isto é, “na alienação por iniciativa particular, o juiz se limita a estabelecer parâmetros gerais e a controlar possíveis desvios ou irregularidades no curso da expropriação, que ocorrerá fora do âmbito judiciário” (GAJARDONI, Fernando da, F. [et al]. Execução e Recursos: Comentários ao CPC de 2015. 2. ed. v. 3. São Paulo: Grupo GEN, 2018). Nesse sentido:
Incumbe ao órgão judiciário, na alienação por iniciativa particular do art. 880, examinar os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia do negócio, avaliando a admissibilidade da oferta e o preenchimento dos demais pressupostos do remate (v.g., a proibição de preço vil, a teor do art. 891), de acordo com as condições traçadas no ato previsto no art. 880, § 1.º (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020). ------------------------------------------------------------------------------------------------- A função desempenhada pelo juiz deverá ser pautada pela observância dos princípios norteadores da ordem pública da execução, zelando, por exemplo, para impedir que o bem seja alienado por preço vil quando estabelecer as condições da alienação, para que a publicidade não seja excessivamente onerosa ao executado ou mesmo muito tímida de modo a não alcançar o seu fim. Noutras palavras, a atuação judicial é balizada pelas condições estatuídas no § 1º do art. 880 do CPC-2015 e outras que o magistrado entender aplicáveis ao caso concreto (PIMENTEL, Alexandre Freire; MEDEIROS, Rafael Asfora. Da alienação por iniciativa particular: raízes históricas e principais inovações do CPC-2015. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, Rio de Janeiro, ano 10, v. 17, n. 2, jul./dez. 2016, p. 35).
Assim, pode-se concluir que a alienação por iniciativa particular é um meio idôneo para expropriação dos bens penhorados no processo executivo e visa conferir dinamismo aos processos judiciais para tornar mais eficiente e menos burocrática a alienação de bens penhorados, fornecendo ao credor a possibilidade de atuar como autor da venda dos bens localizados, servindo o judiciário como órgão fiscalizador do ato a fim de se evitar eventuais prejuízos ao executado.
Por: Bianca Novaes - Advogada CMMM