Apesar da nítida intenção dos legisladores em desonerar e imprimir segurança às operações de crédito, em especial às de crédito rotativo e cheque especial, ainda vivencia-se na prática jurídica uma certa resistência à exequibilidade dos títulos representativos destas operações.
Em muito, tal aversão possui suas raízes nas Sumulas nº 233[2] e 247[3], editadas pelo Superior Tribunal de Justiça e que esculpem o entendimento de que o contrato de abertura de crédito em conta corrente, em si, não traz uma obrigação líquida e certa, não sendo, portanto, título executivo.
Apesar das aludidas súmulas terem sido publicadas antes da promulgação da Lei nº 10.931/04, suas aplicações devem ser cingidas apenas aos contratos de abertura de crédito e não às Cédulas de Crédito Bancário, as quais possuem natureza, característica, requisitos e regramentos próprios.
De toda sorte, referida questão vem, aos poucos, sendo pacificada na Segunda Seção da Corte Superior, especialmente após o julgamento do REsp nº 1.291.175/PR alçado a repetitivo e de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que demonstra com propriedade que “a Lei n. 10.931/2004 não permite a utilização da Cédula de Crédito Bancário como mera roupagem do antigo contrato de abertura de crédito, como se a simples nomenclatura diversa lhe conferisse força executiva. Ao reverso, o novo título de crédito, para ostentar exequibilidade, deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente”, sendo tal posicionamento de vital importância, vez que afasta qualquer objeção à criação da mencionada Lei, por muitas vezes rechaçada.
Não obstante, em atendimento ao antigo artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, o Ministro Relator firmou a seguinte tese:
A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta-corrente, nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. O título de crédito deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente, trazendo o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei n. 10.931/2004).
Deste modo, uma vez acompanhada dos extratos relativos à movimentação bancária do cliente, ainda que derive de contrato de abertura de crédito em conta corrente nas modalidades crédito rotativo ou cheque especial, a Cédula de Crédito Bancário constitui título hábil a aparelhar processo de execução, preenchendo os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade.
Ao nosso ver, trata-se de um importantíssimo avanço para a uniformização da jurisprudência atinente à matéria, ratificando-se a real intenções dos legisladores ao editar a Lei nº 10.931/04 e reestabelecendo a segurança às operações financeiras que envolvam abertura de crédito, cheque especial ou crédito rotativo, o que permite às instituições financeiras oferecerem à seus clientes melhores condições de juros e encargos nas operações contratadas.
[1] Art. 26. A Cédula de Crédito Bancário é título de crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade.
[2] Súmula 233: O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo.
[3] Súmula 247: O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.
O aartigo foi publicado hoje (29/04/17) no site Migalhas, clique aqui e acesse.