“Portanto, resta claro que é daquele a quem aproveitam os efeitos do reconhecimento da sub-rogação o dever de provar o fato que extingue o direito à partilha desses bens (art. 373, II, CPC), bem como paralisa o efeito da presunção favorável à aquisição dos bens e direitos pelo esforço comum do casal enquanto vigente a união”
Neste sentido decidiu o MM. Juízo da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca desta Capital, em sede de Ação de Divórcio, visando a dissolução do vínculo matrimonial e partilha de bens.
No caso concreto, o cônjuge varão alegava que não havia mais bens a partilhar entre as partes, após mais de 17 (dezessete) anos do casamento, contudo, tal afirmativa foi afastada pelo Douto Juízo a quo, posto que não houve a comprovação da sub-rogação, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil.
Analisando tal afirmativa e todo o caso concreto, sabiamente o juízo concluiu que, durante o matrimônio, o cônjuge varão, reconhecido empresário com atuação familiar de longa data em seu ramo, teve incrementada sua participação societária, seja com a aquisição de novas cotas pelo casal ou pelas empresas por elas detidas, além da venda e compra de bens imóveis, sendo tais bens comunicáveis, nos termos do artigo 1.660, incisos I e V, do Código Civil.
Destaca-se que, a regra de regência no regime da comunhão parcial de bens está assentada no artigo 1.658 do Código Civil, anotando que “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”, dispondo o artigo 1.659 do mesmo diploma legal:
“Excluem-se da comunhão:
(...) II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares”.
Nesse sentido a lição de ROLF MADALENO (Direito de família, p. 758):
“Não basta comprovar que antes da compra do bem se haviam vendido alguns bens ou que existia algum valor do cônjuge comprador, mas deve restar precisamente patente o reemprego daqueles fundos. “A simples declaração do adquirente de que emprega, para a sua aquisição, dinheiro privativo não é suficiente para destruir a presunção de comunidade. O fato de o adquirente ter alienado com anterioridade um bem privativo prova que um dia existiu em seu patrimônio certa quantidade de dinheiro, porém não prova que seja este dinheiro aquele que foi reempregado para a aquisição de outro bem. “É ônus de quem alega comprovar a efetiva sub-rogação, cuja exceção não pode ser aleatória, por mera e destoada referência temporal, sendo preciso demonstrar de modo seguro a venda do bem particular e sua efetiva sub-rogação no reemprego do numerário do bem vendido, com mostra do nexo causal entre a venda de um bem particular e incomunicável e a compra de outro com a sub-rogação do preço, devendo o interessado ter a cautela de documentar a sub-rogação (...)”
Desta feita, conforme pontuado na fundamentação da r.sentença, o ônus de comprovar que houve esforço exclusivo na aquisição dos bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, que não houve a participação do cônjuge virago, é exclusivamente do cônjuge varão.
Nesse sentido, é o entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho a respeito do tema, in verbis:
“A lei impõe, em alguns casos, o regime de separação de bens como obrigatório aos nubentes, seja por razões de ordem pública, seja por razões de proteção aos interessados. A imposição legal da aplicação do regime da separação de bens na legislação anterior foi temperada pela Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal, cujo enunciado é: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, amenizou o entendimento sumulado exigindo a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio havido na constância do matrimônio. Contudo, à luz dos princípios constitucionais da igualdade, da solidariedade social, do enriquecimento sem causa e da liberdade e da dignidade da pessoa humana, o entendimento sumulado permanece em vigor, devendo ser levado em consideração para os casos de separação obrigatória de bens, ou seja, aqueles previstos no artigo comentado.
(...)
Assim, embora a questão seja controversa, entende-se que os bens adquiridos na constância do casamento, independentemente de que tenham sido provenientes do esforço comum, comunicar-se-ão, evitando-se que sobrevenha injustiça a qualquer um dos cônjuges, quando, após alguns anos de vida conjugal, houver incremento no patrimônio de um deles. (g.n.)
(Código Civil comentado, coord. Cezar Peluso, 7ª ed., Barueri, Manole, 2013, p. 1836/1837)
Importante salientar, que o Colendo Superior Tribunal de Justiça ao analisar a questão, concluiu que o esforço comum é presumido quando se trata da partilha de bens. Destaque-se:
“embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial” (g.n.) (REsp 1171820/PR, Terceira Turma, j. 07.12.2010 e p.27.04.2011)
Ainda, cabe mencionar que é este o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO. Sentença de parcial procedência, condenando o réu a restituir à autora metade dos valores despendidos, na constância do casamento, para o pagamento das parcelas do imóvel 'sub judice'. Inconformismo de ambas as partes. A autora apelou requerendo a devolução de todo o valor pago pelo imóvel antes do casamento, durante este e após o divórcio. Recorreu o réu adesivamente alegando que a r. sentença é 'extra petita' e, no mérito, pugnou pela improcedência do pleito exordial. Descabimento. Regime de comunhão parcial, no qual todos os bens e direitos adquiridos a título oneroso, enquanto perdurou o vínculo matrimonial, são considerados comunicáveis e devem ser igualmente partilhados entre o par, independentemente de prova de efetiva contribuição financeira individual de cada um para o acréscimo patrimonial comum, uma vez que há presunção absoluta do esforço conjunto, como se depreende dos artigos 1.658 e 1.660, ambos do Código Civil. Comunicabilidade que se dá por força de lei e só pode ser ilidida quando configurada alguma das hipóteses de incomunicabilidade previstas nos incisos do art. 1.659 do Código Civil, o que depende de prova concreta, recaindo o ônus probatório sobre a parte interessada na exclusão da comunhão. Imóvel adquirido em nome do requerido antes do matrimônio, mediante alienação fiduciária, não havendo notícias de sua quitação. Solução adotada pela autoridade sentenciante que é capaz de compor os interesses das partes e está em consonância com os precedentes deste E. TJSP, não havendo que se falar em decisão 'extra petita'. Inexistência de pleito da requerente quanto à eventual união estável, de modo a lhe conferir o direito de meação das parcelas pagas antes do enlace conjugal. Documentos inaptos a comprovar os supostos pagamentos efetuados após o divórcio. Sentença mantida. Recursos não providos. (TJSP; Apelação Cível 1021857-06.2019.8.26.0007; Relator (a): Clara Maria Araújo Xavier; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 1ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 15/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021).
Em conclusão, a decisão proferida na Juízo da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo, não se tratou de inversão do ônus da prova em favor do cônjuge virago, mas apenas e tão somente, da correta distribuição do ônus probatório, nos termos do artigo 373 do Código de Processo Civil e do entendimento jurisprudencial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo que acompanha a conclusão do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema.
Ação de Divórcio, que em razão de sua natureza, tramita em segredo de justiça.
Por: Gabriela Lippi - Advogada CMMM